DE SÓCRATES À SAUSSURE: FLAGRANTE CONTROVÉRSIA MILENAR NAS TEORIAS LINGUÍSTICAS CONTEMPORÂNEAS

DE SÓCRATES À SAUSSURE: FLAGRANTE CONTROVÉRSIA MILENAR NAS TEORIAS LINGUÍSTICAS CONTEMPORÂNEAS[1]

Francisco Canindé Tinoco de Luna[2]

A Linguistica, como sabemos, é uma ciência nova e uma preocupação antiga; tudo começou na Grécia clássica há 2.500 anos atrás, quando já se discutia se as palavras tinham uma relação natural com as coisas que nominavam ou se esta relação (palavras e coisas por elas nominadas) era apenas convencional, ou seja, uma espécie de acordo tácito entre as pessoas. Essa controvérsia entre naturalistas e convencionalistas atravessou os séculos e chegou ao nosso tempo sob as perspectivas do Formalismo e do Funcionalismo, as duas principais correntes nas quais se encaixam todas as teorias linguísticas contemporâneas.

No começo do século passado a Linguística ganha o status de ciência e, a partir daí, os estudos da linguagem passam por um processo de grande desenvolvimento, dando origem a uma série de teorias linguísticas que se dividem em dois grandes paradigmas: No paradigma Formalista, estão aquelas teorias que acham que a forma é quem define a função, sendo elas: Estruturalismo, Gerativismo, Psicolinguística[1] e Estilística[2]; No paradigma Funcionalista, estão aquelas teorias que, ao contrário da corrente anterior, acreditam que a função é quem define a forma, sendo essas: Semântica Enunciativa, Sociolinguística, Linguística Textual, Análise do Discurso, Pragmática e Análise da Conversação. A seguir, vejamos, em síntese, aspectos históricos e conceituais de cada uma dessas teorias, bem como a sua contribuição para os estudos linguísticos.

A Linguistica estrutural corresponde aos estudos de Saussure que transformaram a Linguistica em ciência, no começo do século XX, por ocasião de seu famoso Curso de Linguistica Geral publicado por alguns de seus alunos, após sua morte. Foi aí que ela se definiu como a ciência que estuda a linguagem verbal humana, tem a língua como objeto e de estudo e estruturalismo como método. Definiu a linguagem como sendo uma sequência de signos, mostrou que cada signo é a associação de um significado (conceito mental) a um significante (expressão desse conceito), apresentou as dicotomias língua/fala, sincronia/diacronia, sintagma/paradigma, mostrou os princípios da arbitrariedade e linearidade do signo, o caráter social da língua, a concepção de língua como expressão do pensamento e promoveu o resgate da gramática tradicional. Sua grande contribuição foi a transformação da Linguística na ciência piloto das ciências humanas.

O Gerativismo é a teoria fundada por Noam Chomsky, no final dos anos 1950; Faz oposição à ideia behaviorista da caixa preta do estruturalismo americano ao propor que o homem já nasce dotado de criatividade e com esquemas mentais prontos para o desenvolvimento de uma língua; a linguística gerativa defendia que, a partir de um número limitado de regras e palavras, é possível gerar um número ilimitado de palavras e orações, razão pela qual seu nome é gerativismo. Defende o caráter inato da linguagem, parte da dicotomia Competência/Desempenho, prega a existência de uma gramática universal baseada em universais linguísticos e propôs a gramática gerativo-transformacional que apresenta a sintaxe como o centro de todos os linguísticos. Dentre suas contribuições destaca-se a importância dada aos estudos da sintaxe gerativa e as aplicações da linguagem na psicanálise.

A Psicolinguística é a teoria da Linguistica que estuda as relações entre a linguagem e a mente, diz respeito, portanto, aos processos cognitivos envolvidos na produção e compreensão da linguagem. Desenvolvida por John Osgood e Tomas Albert Sebeok, essa teoria que foi influenciada pelo gerativismo de Chomsky, investiga as teorias de aquisição da linguagem, tais como o comportamentalismo, inatismo e interacionismo, além dos problemas de aquisição tais como a dislexia, discalculia, afasia, agrafia, interpretação e etc. A Psicolinguística também se preocupa com as relações entre a linguagem e o inconsciente. Sua grande contribuição se dá nos campos da alfabetização e do letramento.

A Estilística é a teoria que estuda os processos de manipulação da linguagem que permitem a quem fala ou escreve, utilizar-se dos potenciais afetivos e expressivos da língua. Para a Estilística, o importante não é o que se diz e sim a forma como se diz. Graças à Estilística surgiu a ideia de licença poética que permite se fugir às regras gramaticais quando se trata de uma produção literária ou publicitária, na qual o desvio da norma se dá pela necessidade de uma melhor expressão. Ainda mostra a constante escolha que somos obrigados a fazer entre os eixos paradigmáticos e sintagmáticos, sempre que vamos utilizar a linguagem, e trabalha os desvios estilísticos conhecidos como Metaplasmos, Metataxes, Metassemas e Metalogismos. Sua contribuição gira em torno dos estudos literários, de teoria da literatura e da crítica literária.

A Semântica Enunciativa é uma teoria linguística de orientação funcionalista que entende a verdade como sendo algo que é construído pelas palavras, que a linguagem não passa de um jogo argumentativo, que é impossível haver qualquer atividade humana que não esteja articulada pela linguagem e portanto, neste caso, a realidade e o mundo em que vivemos nada seriam além de uma construção discursiva. Oswald Ducrot, principal nome dessa teoria, afirma que “a linguagem é um jogo de argumentação enredado em si mesmo”, e que “não falamos para trocar informações sobre o mundo, mas para convencer o outro a entrar no nosso jogo discursivo, para convencê-lo de nossa verdade”. A principal contribuição dessa corrente diz respeito à compreensão leitora e da interpretação que, por só para se ter uma ideia, é a principal competência exigida nas provas do ENEM, bem como de qualquer concurso.

A Sociolinguística estuda as relações entre língua e sociedade. Esta corrente entende que a língua é um fato social e que, portanto, qualquer mudança na conjuntura social vai implicar numa mudança na língua; é desse modo que a Sociolinguística tem como objeto de estudo a variação linguística, fato que é visto como um fenômeno universal presente em todas as línguas e em todos os tempos. Uma de suas marcas importantes é a discordância com relação à noção tradicional de “erro” linguistico ou gramatical, adotando a ideia de adequação discursiva. Desenvolveu a noção de competência comunicativa, entende a língua elemento fundante do ser humano e sua principal contribuição é o ensino da produção textual numa perspectiva de gêneros.

A Linguistica Textual é o ramo da Linguistica que estuda o texto e os fatores envolvidos na sua produção. Para ela o texto é a unidade comunicativa básica e se constitui na união dos aspectos formais, semânticos e pragmáticos. Para a Linguistica Textual o que garante a unidade textual são os fatores da textualidade, os quais são: coerência, coesão, intencionalidade, aceitabilidade, situacionalidade, Informatividade e intertextualidade. Essa teoria foi iniciada pelo alemão Weinrich e a razão de sua origem foi a constatação de fenômenos linguísticos, como a referenciação, cuja explicação exige ultrapassar os limites da frase e adentrar ao texto. Uma de suas contribuições mais marcantes foi descobrir a importância dos gêneros discursivos para a produção textual.

A Análise do discurso (AD), é uma das áreas mais importantes no campo dos estudos da linguagem, haja vista a grande produção teórica que se tem atualmente nesse domínio; estuda a língua em seu curso, ou seja, no curso dos acontecimentos, e produzindo sentido no seu contato com a história. A Análise do Discurso entende que o sentido se forma na relação do discurso com suas condições de produção, sendo essa a sua especificidade enquanto campo de estudos. Tendo sua gênese nos anos 1960, a Análise do Discurso foi concebida pelos franceses Michel Pêcheux e Jean Dubois como a teoria materialista da discursividade, tem nas noções de formação discursiva e interdiscurso duas de suas principais categorias de análise e, indo além de uma simples evolução nos estudos linguísticos, constitui-se num verdadeiro salto epistemológico, ao trazer para o campo da linguagem as noções de ideologia e subjetividade.

A Pragmática é a teoria de estudos da linguagem que se dedica à comunicação humana e que, por isso, busca entender as intenções de quem fala além daquilo que é dito, ou seja, aquilo que está implícito nos contextos. Exemplo: Se alguém entra numa sala fumando e, imediatamente, você começa a falar que fumar faz mal à saúde, na prática, ou seja, no aspecto pragmático, você está pedindo para esta pessoa jogar o cigarro fora. Desenvolvida pelo americano Charles Morris, a pragmática trabalha com a intenção e os subentendidos no contexto da comunicação e a noção de competência pragmática. Sua contribuição, dentre outras coisas, está no fato de ser o fundamento principal de todas as disciplinas específicas dos Cursos de Jornalismo, Publicidade, Marketing e outras da área de comunicarão social.

A Análise da Conversação se propõe a estudar a mais praticada de todas as formas de interação: a conversação. Envolve, portanto, os estilos individuais de se falar e as marcas conversacionais da linguagem oral que aparecem nos textos escritos. Desenvolvida pelo sociólogo americano Harvey Saks, e no Brasil por Luiz Antônio Marcuschi, a Análise da Conversação trabalha com a oralidade, preocupa-se com os estilos individuais e sua principal contribuição é estudar as marcas de oralidade na produção escrita, tais como repetições, anáforas, gírias, coloquialismos e etc.

REFERÊNCIAS

CARVALHO, Castelar de. Para compreender Saussure: fundamentos e visão crítica. 10.ed.  Petrópolis, RJ:Vozes, 2000;

MUSSALIM, F. & BENTES, A.C. Introdução à linguística: fundamentos epistemológicos. 3.ed. São Paulo: Cortez, 2007.

CÂMARA JR. & MATTOZO. Princípios de linguística geral. 4. ed. Rio de Janeiro: Acadêmica: 1972

COUTINHO, Carlos Nelson. O estruturalismo e a miséria da razão. Rio de Janeiro: Terra e Paz, 1972.

[1] A Psicolinguística tem sua origem no estruturalismo, porém avançou, depois, na direção do funcionalismo

[2] A Estilística tem sua origem no estruturalismo, porém avançou, depois, na direção do funcionalismo

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